1º - Lapinha, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, com Elis Regina; 2º - Bom tempo, de Chico Buarque, com Chico Buarque e MPB-4; 3º - Pressentimento, de Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho, com Elza Soares.
“O protesto dos sambistas, endossado pelos jornalistas, críticos de música, principalmente os do Rio de Janeiro, reclamando que o samba não tinha tido uma presença marcante no festival, fez com que criássemos a Bienal do Samba.
O sucesso do programa “Bossaudade”, apresentado por Ciro Monteiro e Elizete Cardoso, com um elenco basicamente “velha guarda”, justificava mais esta experiência. Um evento competitivo, cujos participantes foram escolhidos por uma comissão especial. Cada compositor indicado inscrevia a música que quisesse, sem julgamento prévio, desde que foss inédita, cláusula do regulamento que, para meu desespero, causou a desclassificação da belíssima Wave de Tom Jobim, porque já tinha sido gravada nos Estados Unidos por Sérgio Mendes.
Chico Buarque inscreveu um maxixe, Bom Tempo; Ataulfo Alves veio com Laranja Madura; Paulinho da Viola trouxe Coisas do Mundo, minha Nega; Baden Powell inscreveu Lapinha, em parceria com Vinícius de Moraes, que seria cantada por Elis Regina.
Enquanto eram concluídos os preparativos para a Bienal, em uma tarde de ensaios, pelos corredores do Teatro Record, ouvia-se o eco de uma batucada irresistível. Um bando de sambistas irradiando uma alegria contagiante ensaiava um número no qual faziam a base rítmica para algum samba a ser apresentado no “Bossaudade”. Eram Os Originais do Samba.
Imediatamente os convoquei para participarem da Bienal, e qual não foi a minha surpresa quando a maioria dos compositores inscritos, à medida que iam ouvindo o grupo, fazia questão de tê-los participando de seus números. Foi difícil deixar de atender. O resultado final foi de uma lógica cristalina: Lapinha, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, cantada pela Elis e com o apoio dos Originais do Samba, dominou a Bienal desde a sua primeira apresentação e se tornou um número imbatível. Além de levar Lapinha ao primeiro lugar, Elis foi a melhor intérprete.
Em segundo lugar ficou Bom Tempo, de Chico Buarque, em terceiro Pressentimento, de Élton Medeiros e Hermínio Belo de Carvalho, em quarto Canto Chorado, de Billy Blanco, em quinto Tive Sim, do Cartola, em sexto Coisas do Mundo, minha Nega, de Paulinho da Viola, e em sétimo Marina, de Sinval Silva.
Na preparação da Bienal do Samba a necessária convivência com o elenco do programa “Bossaudade”, além de uma experiência humana maravilhosa, às vezes nos levava a momentos engraçados. Era comum a turma liderada pelo Ciro Monteiro, e sempre na companhia de Araci de Almeida, sair para jantar depois do programa. Antes e durante a gravação era regra que ninguém bebesse, mas depois...
Após um ruidoso jantar, aquele grupo alegre e descontraído de sambistas perdidos na noite da paulicéia desvairada saía a pé pelas ruas do centro, caminhando e sambando, em uma verdadeira crucis pelos bares onde ainda existia música ao vivo rolando. De canja em canja, e de gole em gole, a noite ia passando e o time aumentando. Era comum aquele bando acabar no café da manhã do Hotel Normandie, na avenida Ipiranga, onde a Record tinha permuta para hospedar seus artistas.
Certa madrugada, com os primeiros lampejos do dia nos ameaçando, ao passarmos pela esquina da avenida Ipiranga com a São João, Araci de Almeida, com seu jeito autoritário, disparou com solenidade: “Agora, em homenagem ao Paulinho Vanzolini, que fez a fama desta avenida, eu convido todo mundo para uma última rodada”. Assumiu então a frente do grupo, que, obediente, não . tinha outra alternativa senão segui-la. Uma dose a mais ou a menos já não faria muita diferença. Para surpresa geral, a Araca levou a turma para uma farmácia e foi logo ordenando a um espantado atendente: “Manda uma vitamina B12 na veia dessa moçada, senão ninguém vai chegar em casa com o figado inteiro”, e acrescentou: “Essa quem paga sou eu!”.
Na verdade, tanto nos festivais da Excelsior como no da Record, o samba mostrou que não tinha como competir, pelo menos naquele momento, com os novos ritmos que dominavam a música popular brasileira, principalmente com as novas formas dinâmicas dos arranjos feitos especialmente para obter reações emocionais das platéias, já condicionadas a eleger sua favorita e torcer por ela.
A competição trouxe muitas deformações, mas era o que atraía a atenção para o espetáculo do festival, sempre construído de forma a ser, desde as eliminatórias, um simples mas atraente programa musical de televisão. Minha intenção sempre foi utilizar o festival como um painel do que estava sendo feito na música popular em todo o país. Isso resultou em uma diversidade muito grande de ritmos e estilos, do regional ao experimental, que eu fazia questão de manter sempre presente.
A possibilidade de apresentar um novato ao lado de um nome consagrado em igualdade de condições fazia do festival a única porta de entrada para um novo compositor e também para o lançamento de novos cantores e grupos, pois o seu extraordinário sucesso atraía todas as atenções, não só do público, dos críticos e da imprensa em geral, mas também dos responsáveis pelo mercado do disco, em geral incompetentes para lançar qualquer coisa que não preencha as expectativas do que costumam rotular de comercial ou, como se usa hoje, de mercado.
Confundem popular com vulgar e esquecem que a platéia brasileira responde de imediato e com entusiasmo toda vez que é colocada diante de uma música de boa qualidade. Hoje o peso da televisão é muito grande, mas infelizmente a maioria dos seus dirigentes está mais preocupada com os índices de audiência e não com qualquer compromisso coerente com a cultura do país, considerando a música brasileira mero subproduto.
Raras foram as vezes em que a MPB foi utilizada como um trabalho especialmente composto para o seu principal instrumento de faturamento que são as novelas. É impressionante constatar que o veículo que poderia ser importantíssimo para a divulgação do trabalho de compositores brasileiros e da nossa música em geral, popular ou erudita, é utilizado para o lançamento de coletâneas desconexas, aproveitando ou até fazendo o sucesso do que já foi testado como comercial.
A tal trilha internacional então é aberração definitiva. Assistimos, em um contexto brasileiro, a um personagem brasileiro ser brindado com um tema completamente dissociado de seu caráter, a serviço do lançamento de algum novo fonograma que tenha aparecido com algum destaque na parada de sucesso internacional.
A esperança é que a TV a cabo consiga valorizar a segmentação e que a força do mercado convença as Emitivis a aumentar ainda mais a participação da música brasileira nas suas programações e não tenhamos mais de assistir aos DJs falando nomes absolutamente desconhecidos do nosso público, com tal naturalidade e intimidade, como se tivessem acabado de encontrá-los na esquina. Quem sabe ainda teremos alguma EmePeBeTV. E não pensem que eu não gosto da música americana. Mas isso fica para depois.”
Fonte: Prepare seu Coração - A História dos Grandes Festivais - Solano Ribeiro - Geração Editorial.
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