terça-feira, 18 de julho de 2006

Retrato em branco e preto

Segundo sua irmã Helena, Tom Jobim compôs o tema “Zíngaro”, inspirado em um violinista cigano, que “na verdade era ele próprio, radicado naquele estranho mundo (os Estados Unidos) e sentindo saudade de seu país”. Em 1965, a composição foi incluída no elepê A certain Mr. Jobim, gravado numa igreja transformada em estúdio, em Manhattan com a participação de um de seus arranjadores favoritos, o alemão Claus Ogerman.

O título “Retrato em Branco e Preto” surgiu depois, com a letra dramática de Chico Buarque, que trata de um amor desesperado (“Lá vou eu de novo como um tolo / procurar o desconsolo / que cansei de conhecer / novos dias tristes / noites claras / versos, cartas, minha cara / ainda volto a lhe escrever”).

Mais uma vez, Tom Jobim oferece uma lição de economia e inteligência. Os três primeiros compassos, criados sobre uma melodia de quatro notas vizinhas ré, dó sustenido, mi e dó natural — são idênticos, mas, com harmonizações diferentes. O intervalo inicial da canção, uma segunda menor, vai sendo ampliado e explorado de várias maneiras à medida que a melodia avança, aumentando a tensão, a dramaticidade, o que é muito bem aproveitado no poema do Chico.

Ritmicamente dos dezesseis compassos de “Retrato em Branco e Preto”, treze são absolutamente iguais, formados por oito colcheias. Tais observações podem primeira vista, levar à conclusão de que a canção é repetitiva e até pobre quando na realidade é exatamente o oposto, um tratado sobre o que possível fazer com um intervalo de duas notas. Tom Jobim sabia como ninguém partir de uma célula simples e enriquece-la ao máximo.

Em 1968, “Retrato em Branco e Preto” seria gravado pelo próprio Tom com o Quarteto 004. Esta foi a primeira de uma série de interpretações emocionantes como as de Chico Buarque, Elis e Tom, João Gilberto (em três registros diferentes) e a do trompetista Chet Baker, que em gravação filmada para o documentário “Let’s Get Lost”, feita pouco antes de sua morte, realizou num improviso comovente um autêntico hino de amor a Jobim (A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34).

Retrato em branco e preto (1968) - Chico Buarque e Tom Jobim
[Intro:] Cm7 Fm7

Cm7                           G/B
Já conheço os passos dessa estrada,
Gm/Bb A7 G#6
Sei que não vai dar em nada, seus segredos sei de cor
Fm7 Bb7 D#7M
Já conheço as pedras do caminho e sei
Cm7 Am7(b5)
também que ali sozinho
G#7M Dm7(b5)
Eu vou ficar, tanto pior,
            G7(b13)            Cm7
o que é que eu posso contra o encanto
G/B
Desse amor que eu nego tanto, evito tanto
Gm/Bb A7 G#6
E que no entanto volta sempre a enfeitiçar
Fm7 F#º Cm7
Com seus mesmos tristes velhos fatos
G#7M Fm7 G7 Cm7 G7
Que num álbum de retratos eu teimo em colecionar
Lá vou eu de novo como um tolo,
Procurar o desconsolo que cansei de conhecer
Novos dias tristes, noites claras,
versos, cartas, minha cara
Ainda volto a lhe escrever
pra lhe dizer que isso é pecado

Eu trago o peito tão marcado
De lembranças do passado e você sabe a razão
Vou colecionar mais um soneto,
outro retrato em branco e preto
A maltratar meu coração

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