Nossos compositores sempre tiveram o costume de registrar em música e verso acontecimentos relevantes, às vezes nem tanto, da vida brasileira. Um rápido exame do repertório nacional encontrará revoluções, campanhas políticas, feitos de brasileiros e outros fatos inspirando canções de crítica ou louvação. Nem mesmo a censura ferrenha de duas ditaduras foi capaz de impedir essa prática, muitas vezes disfarçada pelo uso de imagens alegóricas.
Este é o caso de “O Bêbado e a Equilibrista”, uma notável composição de João Bosco e Aldir Blanc, que focaliza uma promessa de abertura democrática, na ocasião cercada de incertezas. Parodiando a forma de um samba enredo, a canção descreve uma cena patética em que dois personagens — o bêbado e a equilibrista — movimentam-se ridiculamente num fim de tarde sombrio — “E nuvens / lá no mata-borrão do céu / chupavam manchas torturadas”. O bêbado, trajando luto e lembrando a figura de Carlitos — “Fazia irreverências mil / pra noite do Brasil / (...) / que sonha / com a volta do irmão do Henfil / e tanta gente que partiu” — ou seja, para a situação brasileira da época. Já a equilibrista era — “A esperança (que) dança / na corda bamba de sombrinha (e) em cada passo dessa linha / pode se machucar” — o que correspondia à expectativa ansiosa de um projeto de êxito imprevisível.
E a canção prossegue, utilizando conscientemente o mau-gosto e o lugar-comum como forma chocante de expressar a crítica a uma realidade indesejada — “Chora / a nossa pátria, mãe gentil / choram Marias e Clarisses / no solo do Brasil”. Diga-se de passagem, que “o irmão do Henfil” e as “Clarisses” citados nos versos referem-se a personagens reais, sendo o primeiro o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, irmão do cartunista Henfil, na época exilado, e a segunda, Clarisse, viúva do jornalista Wladimir Herzog, enforcado numa prisão da ditadura, em São Paulo.
“O Bêbado e a Equilibrista” foi lançado por Elis Regina em junho de 79, numa gravação orquestrada e dirigida por César Camargo Mariano, integrante do elepê Elis, essa mulher, o primeiro da cantora na gravadora WEA (A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34).
O bêbado e a equilibrista (1979) - João Bosco e Aldir Blanc
Intro.: A7M
A7M
Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
C#m7(b5) F#7 Bm7 F#7(b13)
Me lembrou Carlitos
Bm7 D7M
A lua, tal qual a dona de um bordel
E7(9)
Pedia a cada estrela fria
Bm7 E7(9) C#m7 Cm7 Bm7 E7(9)
Um brilho de alu------guel
A7M C#m7
E nuvens, lá no mata-borrão do céu
Em/G F#7
Chupavam manchas tortura----das
C#m7(b5) F#7 Bm7
Que su---foco
Dm7 G7(13) D#º
Louco, o bêbado com chapéu-coco
A7M F#7 B7(13) B7(b13)
Fazia irreverências mil
Bm7 E7(9) A7M E7(9)
Pra noite do Bra----sil, meu Brasil
A7M
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu
C#m7(b5) F#7 Bm7 F#7(b13)
Num rabo de foguete
Bm7 D7M
Chora a nossa pátria, mãe gentil
E7(9)
Choram Marias e Clarices
Bm7 E7(9) C#m7 Cm7 Bm7 E7(9)
No solo do Bra----sil
A7M C#m7
Mas sei que uma dor assim pungente
Em/G F#7
Não há de ser inutilmen----te
C#m7(b5) F#7 Bm7
A espe---rança
Dm7 G7(13) D#º
Dança na corda bamba de sombrinha
A7M F#7 B7(13) B7(b13)
E em cada passo dessa linha
Bm7 E7(9) F#7
Pode se ma----chu----car
Dm7 G7(13) D#º
Azar, a esperança equilibrista
A7M F#7 B7(13) B7(b13)
Sabe que o show de todo artista
Bm7 E7(9) A7M
Tem que conti---nu-----ar...
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