Foi preocupado com uma possível rejeição do público e do júri que Geraldo Vandré entrou em cena para defender sua canção “Caminhando” na eliminatória paulista do III Festival Internacional da Canção. A preocupação tinha dois motivos: primeiro, a lembrança da vaia e da desclassificação que sofrera em 1967 na Record, com a música “Ventania”; segundo, o esquema que escolhera para apresentar “Caminhando” — sozinho no palco, acompanhado apenas de um violão. Mas o público o aplaudiu freneticamente e o júri acabou por lhe dar o segundo lugar na final, quando cantou com o Quarteto Livre.
Propositalmente despojada no aspecto melódico-harmônico (apóia-se somente em dois acordes), “Caminhando” tem o seu forte no teor revolucionário da letra — “Vem, vamos embora / que esperar não é saber / quem sabe, faz a hora / não espera acontecer / (...) / nas escolas, nas ruas / campos, construções / somos todos soldados / armados ou não...” Era um enorme passo à frente do ponto alcançado por “Disparada”, dois anos antes.
Essa postura audaciosa de desafio à ditadura, em pleno 1968, quando se processava a radicalização do regime, empolgou a platéia presente ao Maracanãzinho que, inconformada por não haverem os jurados dado a vitória a “Caminhando”, repudiou a vencedora “Sabiá”. O sucesso fulminante da canção de Vandré seria, porém, logo interrompido pela censura, enquanto o autor exilava-se no Chile.
Muitos anos depois, extinta a proscrição, “Caminhando” pôde novamente ser apreciada como exemplo de canto político-revolucionário Uma curiosidade: classificada pelo maestro Lindolfo Gaya como uma guarânia e pelo próprio Vandré como “um rasqueado de beira de praia”, “Caminhando” mereceu do general Luís de França Oliveira, secretário de Segurança da Guanabara, o seguinte comentário, em entrevista que justificava a sua proibição: “Pra Não Dizer que Não Falei de Flores’ tem letra subversiva e sua cadência é do tipo de Mao-Tsé-Tung” (sic) (A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34).
Caminhando (Prá não dizer que não falei das flores) (rasqueado, 1968) - Geraldo Vandré
(Em D)
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Bm D A E
Nas escolas nas ruas, campos, construções
Bm D A E
Caminhando e cantando e seguindo a canção
(refrão)
(Em D)
Vem, vamos embora, que esperar não é saber (2x)
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
(Em D)
Pelos campos há fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Bm D A E
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
Bm D A E
E acreditam nas flores vencendo o canhão
(refrão)
(Em D)
Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Bm D A E
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
Bm D A E
De morrer pela pátria e viver sem razão
(refrão)
(Em D)
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Bm D A E
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Bm D A E
Somos todos iguais braços dados ou não
(Em D)
Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente, a história na mão
Bm D A E
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Bm D A E
Aprendendo e ensinando uma nova lição
Nenhum comentário:
Postar um comentário