sábado, 22 de julho de 2006

Portela na avenida

A portelense Clara Nunes vivia pedindo ao marido, Paulo César Pinheiro, um samba em homenagem à sua escola. Acontece que o poeta sentia-se meio inibido para a tarefa, pois, além de ter um coração mangueirense, achava que já existia uma obra definitiva sobre a Portela, o samba “Foi um Rio que Passou em Minha Vida”, de Paulinho da Viola. Mesmo assim, para agradar à mulher, começou a pensar no assunto e até criou uma pequena célula melódica que não conseguiu desenvolver a contento.

Um dia, quando menos esperava, encontrou a idéia numa sala de sua própria casa, onde Clara havia montado um altar para as suas devoções: a imagem de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, uma santa negra com o seu manto azul e branco (as cores da Portela), o pombo de asas abertas, representando o Espírito Santo (a águia portelense), enfim, a combinação do místico com o profano (procissão religiosa/desfile carnavalesco) forneceu-lhe o ponto de partida para a composição que, desenvolvida com o parceiro Mauro Duarte, resultou no belo samba-homenagem “Portela na Avenida”:

“Portela / sobre a tua bandeira esse divino manto / tua águia altaneira é o Espírito Santo / no templo do samba / as pastoras e os pastores / (...) / como fiéis na santa missa da capela / salve o samba / salve a santa / salve ela / salve o manto azul e branco da Portela / desfilando triunfal / sobre o altar do carnaval...”

Lançada por Clara Nunes no final de 81, “Portela na Avenida” se consagraria no carnaval de 82, tornando-se a partir de então a música que esquenta a bateria portelense antes de cada desfile. Com o seu sucesso, Paulo César resolveu homenagear também as outras grandes escolas, começando pelo Império Serrano, com o samba “Serrinha”, gravado por Clara. No total, seriam dez sambas dos quais oito foram gravados (dois por Clara e seis por Alcione), permanecendo inéditos em disco (até 1998) os referentes a Vila Isabel e Caprichosos de Pilares.

Paulo César Pinheiro está, assim, para as escolas de samba, como Lamartine Babo, para os clubes do futebol carioca, que homenageou em onze marchas. Detalhe: em 1968, a Mangueira seria exaltada pelo portelense Paulinho da Viola (em parceria com Hermínio Bello de Carvalho) no samba “Sei Lá Mangueira”; em 1981 chegou a vez de a Portela ser homenageada pelo mangueirense Paulo César Pinheiro (em parceria com Mauro Duarte). Estabeleceu-se assim um curioso empate em que todos saíram ganhando (A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34).

Portela na Avenida (1982) - Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro

Am                          G
PORTELA EU NUNCA VI COISA MAIS BELA
F
QUANDO ELA PISA A PASSARELA
E7
E VAI ENTRANDO NA AVENIDA
Am G
PARECE A MARAVILHA DE AQUARELA QUE SURGIU
F
O MANTO AZUL DA PADROEIRA DO BRASIL
E7
NOSSA SENHORA APARECIDA
Dm Bm5-/7 Am Bm5-/7
QUE VAI SE ARRASTANDO E O POVO NA RUA CANTANDO
E7 Am
É FEITO UMA REZA, UM RITUAL
A7 Dm Am
É A PROCISSÃO DO SAMBA ABENÇOANDO
B7 E7 Am E7
A FESTA DO DIVINO CARNAVAL
Am G
PORTELA É A DEUSA DO SAMBA O PASSADO REVELA
F
E TEM A VELHA GUARDA COMO SENTINELA
E7
E É POR ISSO QUE EU OUÇO ESSA VOZ QUE ME CHAMA
Am G
PORTELA SOBRE A TUA BANDEIRA ESTE DIVINO MANTO
F E7 Am
TUA ÁGUIA ALTANEIRA, ESPÍRITO SANTO NO TEMPLO DO SAMBA
G7 C
AS PASTORAS E OS PASTORES
G7 C
VEM CHEGANDO DA CIDADE DA FAVELA
G7 C
PARA DEFENDER AS TUAS CORES
B7 E7
COMO FIÉIS NA SANTA MISSA DA CAPELA
A7 Dm E7 Am
SALVE O SAMBA, SALVE A SANTA, SALVE ELA
A7 Dm E7 Am
SALVE O MANTO AZUL E BRANCO DA PORTELA
Dm G7 C E7
DESFILANDO TRIUNFAL SOBRE O ALTAR DO CARNAVAL

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