sábado, 29 de julho de 2006

Podres poderes

Subvertendo a praxe de lançar um disco e depois montar um show com o seu repertório, Caetano Veloso decidiu inovar com o espetáculo “Velô” estreado em maio de 84, apresentando oito músicas inéditas que só seriam gravadas no semestre seguinte. Abrindo o show e o elepê homônimo, ambos decididamente roqueiros, estava o dinâmico “Podres Poderes”.

Esta composição é um rock seco, de andamento rápido, com uma letra cheia de interrogações que remetem a uma saraivada de colocações iradas sobre o poder político (“Enquanto os homens exercem seus podres poderes / morrer e matar de fome, de raiva e de sede / são tantas vezes gestos naturais...”) e à “incompetência da América católica”. A junção das sílabas “ca” dessas duas últimas palavras formam uma terceira, “caca”, sinônimo de porcaria em português e espanhol. Nesse jogo, quase lúdico, Caetano também aborda a música brasileira, citando “o hermetismos pascoais”, “os tons”, “os mil tons”, “tins e bens”, numa referência a cinco de seus compositores favoritos.

Como em boa parte de sua obra, a canção tem uma melodia despretensiosa, sendo utilizado, porém, um engenhoso procedimento rítmico: a primeira parte (rock) é em compasso quaternário e a segunda em binário. Nesta, entretanto, a melodia, com grupos de duas tercinas em cada compasso, induz à ilusão de compasso ternário, estranho ao rock, que funciona assim como contraste bem apropriado às posições e contraposições da letra, que entusiasmou o público.

O repertório de Velô, que segue essa linha demarcada em “Podres Poderes”, tem músicas como “Língua” (um samba-rap gravado com a participação de Elza Soares), “Sorvete” e a notável canção “O Quereres”, em versos decassílabos, com antônimos em profusão, que, ao lado de “Podres Poderes”, alinha-se entre as melhores de Caetano Veloso (A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34).

Podres poderes (1984) - Caetano Veloso
Intro:  A

A
enquanto os homens exercem seus podres poderes
B/A
motos e fuscas avançam os sinais vermelhos
D E7 F#m
e perdem os verdes somos uns boçais
A
queria querer gritar setecentas mil vezes
B/A
como são lindos, como são lindos os burgueses
D E7 F#m
e os japoneses mas tudo é muito mais
C
será que nunca faremos senão confirmar
E7
a incompetência da américa católica
F7+ Bb7
que sempre precisará de ridículos tiranos?
C
será, será que , que será , que será, que será
E7
será que essa minha estúpida retórica
F7+ Bb7
terá que soar, terá que se ouvir por mais mil anos?
Solo - A B/A D E7 F° F#m
A
enquanto os homens exercem seus podres poderes
B/A
índios, padres e bichas, negros e mulheres
D E7 F#m
e adolescentes fazem o carnaval
A
queria querer cantar afinado com eles
B/A
silenciar em respeito ao seu transe , num êxtase
D E7 F#m
ser indecente mais tudo é muito mau
C
ou então cada paisano e cada capataz
E7
com sua burrice fará jorrar sangue demais
F7+ Bb7
nos pantanais, nas cidades , caatingas e nos gerais
C
será que apenas os hermetismos pascoais
E7
e os tons e os mil tons, seus sons e seus dons geniais
F7+ Bb7
nos salvam, nos salvarão dessas trevas e nada mais?
A
enquanto os homens exercem seus podres poderes
B/A
morrer e matar de fome, de raiva e de sede
D E7 F#m
são tantas vezes gestos naturais
A
eu quero aproximar o meu cantar vagabundo
B/A
daqueles que velam pela alegria do mundo
D E7 F#m
indo e mais fundo tins e bens e tais
C
será que nunca faremos senão confirmar
E7
a incompetência da américa católica
F7+ Bb7
que sempre precisará de ridículos tiranos?
C
será, será que, que será, que será, que será,
E7
será que essa minha estúpida retórica
F7+ Bb7
terá que soar, terá que se ouvir por mais mil anos?
C
ou então cada paisano e cada capataz
E7
com sua burrice fará jorrar sangue demais
F7+ Bb7
nos pantanais, nas cidades, caatingas e nos gerais
C
será que apenas os hermetismos pascoais
E7
e os tons e os mil tons, seus sons e seus dons geniais
F7+ Bb7
nos salvam, nos salvarão dessas trevas e nada mais?
A
enquanto os homens exercem seus podres poderes
B/A
morrer e matar de fome de raiva e de sede
D E7 F#m
são tantas vezes gestos naturais
A
eu quero aproximar o meu cantar vagabundo
B/A
daqueles que velam pela alegria do mundo
D
indo mais fundo
E7 F#m
tins e bens e tais
D
tudo mais fundo
E7 F#m
tins e bens e tais
D
tudo mais fundo
E7 F#m
tins e bens e tais

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