Antecedendo em alguns meses a versão de João Gilberto, que imprimiu à canção sua marca definitiva, “Meditação” seria gravada com sucesso por Isaura Garcia. Embora acompanhada pelo conjunto do marido, Walter Wanderley, um músico avançado que participaria em 61 do terceiro elepê do João, não havia na interpretação de Isaurinha a menor conotação de bossa nova. Era, isto sim, totalmente coerente com a personalidade da cantora (o álbum chamava-se Sempre personalíssima) de sotaque ítalo-paulistano, mas, que, em compensação, exibia um extraordinário senso de divisão, incomum para quem nascera no Brás. Além do mais era passional ao extremo, o que até justifica o “ai-ai-ai” que ela comete depois do verso “e tanto que seu pranto já secou...”.
Assim se entende por que sua interpretação seria praticamente o oposto da do João, a partir do andamento, mais rápido. Com um acompanhamento de cordas, um piano discreto, um trombone — na introdução que se tornaria clássica — e uma flauta — apenas na segunda parte e no final —, a versão do cantor dá bem um exemplo da economia que caracterizou a bossa nova em vários aspectos, da 0rquestraçao à duração da faixa.
Com a participação de Tom e Newton tanto na letra como na música, conforme era próprio da parceria, “Meditação” tem a estrutura A1 - A1 - B - A2, com 16 compassos em A e oito em B. O que ressalta na composição são as sofisticadas alterações diatônicas em sílabas como “di” (“quem a-cre-ditou”), “no” (“no amor”), “a” (“e perdeu a paz”), “so” (“o amor, o sor-ri-so”) e “sa” (“se transformam de-pres-sa demais”).
Já a letra, que lançou a expressão “o amor, o sorriso e a flor” — logo vinculada à bossa nova, a
princípio positivamente, mais tarde, pejorativamente —, percorre as etapas de uma tradicional história de amor: o sonho inicial, a perda, a solidão, a privação e, por fim, o reencontro como amor verdadeiro.
O enfoque de João Gilberto e o arranjo de Tom Jobim exerceram forte influência no padrão da maioria das gravações que se seguiram, fazendo de “Meditação” (“Meditation”, na versão em inglês) a terceira composição em popularidade na pequena, mas importante, obra da dupla Jobim-Mendonça (A Canção no Tempo - Vol. 2 - Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello - Ed. 34).
Meditação (samba bossa, 1960) - Newton Mendonça e Tom Jobim
A6 Aº A6
Quem acreditou no amor no sorriso na flor
C#m7 F#7(-13)
Então sonhou sonhou
Bm7 Dm7
E perdeu a paz
C#m7 F#7(-13)
O amor o sorriso e a flor
Bm7 E5+
Se transformam depressa demais
A6 Aº
Quem no coração
A6
Abrigou a tristeza de ver
C#m7 F#7(-13)
Tudo isso se perder
Bm7 Dm7
E na solidão
C#m7 F#7(-13)
Procurou a caminho a seguir
Bm7 E5+
Já descrente de um dia feliz
D7+ Dm7
Quem chorou chorou
C#m7 Cº Bm7 E5+
E tanto que o seu pranto já secou
A6 Aº
Quem depois voltou
A6
Ao amor ao sorriso e a flor
C#m7 F#7(b13)
Então tudo encontrou
Bm7 Dm7
Pois a própria dor
C#m7 F#7(-13) Bm7 E7(9b) Am7
Revelou o caminho do amor e a tristeza acabou
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