Por incrível que pareça, o elepê Muito (dentro da estrela azulada), com uma bela foto de Caetano e sua mãe, Dona Canô, na capa, que apresentava “Terra”, “Muito Romântico”, uma pungente interpretação de “Eu Sei que Vou te Amar” e, de quebra, a canção-depoimento “Sampa”, não foi bem recebido por parte da crítica paulista.
“Sampa” surgiu em razão de um programa sobre São Paulo, realizado pela TV Bandeirantes, para o qual o produtor Roberto de Oliveira encomendara um depoimento a Caetano Veloso. Então, Caetano teve a idéia de fazê-lo sob a forma de uma canção, com uma longa letra em que expunha suas impressões sobre a cidade, canção que ele comporia em poucos minutos e que gravaria em vídeo já no dia seguinte. Como o elepê ainda não estava pronto, houve tempo para incluir no repertório a nova música, gravada com o acompanhamento de um singelo conjunto regional, no qual se sobressai o violão sete cordas de Arnaldo Brandão.
A letra de “Sampa” registra referências a muita coisa que o autor considera importante na cidade como a poesia concreta dos irmãos Campos, as figuras de Rita Lee e os Mutantes e, em seu arremate, a declaração “e novos baianos te podem curtir numa boa”, cantada sobre a frase melódica final do samba “Ronda”, de Paulo Vanzolini, o que é um achado. Além de difundir a sigla, que o povo consagrou, “Sampa” impressiona como uma sincera homenagem do artista à cidade que o acolheu no início de sua carreira.
Por exemplo, a esquina das avenidas Ipiranga e São João, que a canção converte numa referência na MPB, deve-lhe trazer boas recordações, pois fica apenas a algumas dezenas de metros do apartamento da avenida São Luís, onde ele morou na época.
Quase um hino a São Paulo, com suas descrições, citações e reflexões, “Sampa” criou laços definitivos entre o poeta e a cidade, impondo-se como peça obrigatória em seu repertório, sempre que ele a visita. Passa também a integrar, com especial destaque, o grupo de composições de autores não-paulistas que homenagearam São Paulo, juntando-se a “Eh! São Paulo” (1934), do mineiro Murilo Alvarenga, à suíte “Paulistana-Retrato de uma Cidade” (1974), do paraense Billy Blanco, e “São São Paulo Meu Amor” (1968), do baiano Tom Zé (A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34).
Sampa (1978) - Caetano Veloso
C7+ Bm7/11
Alguma coisa acontece
E7/9- Am7+ Am7 Gm7 Gb7/11+
no meu coração
F A7
Que só quando cruzo a Ipiranga
Dm7
e a avenida São João
G7 G#º
É que quando eu cheguei por aqui
Am7
eu nada entendi
D7/9
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta
Dm7/9 G7/13 G7/13-
de tuas meninas
Gm7 C7/9
Ainda não havia para mim Rita Lee
F7+ F#º
A tua mais completa tradução
C/G A7 Dm7 G7 E7
Alguma coisa acontece no meu coração
A7 D7/9 Abm6
Que só quando cruzo a Ipiranga
G7 C6/9 G7/13 G7/13-
e a avenida São João
C7+ Bm7/11
Quando eu te encarei frente a frente
E7/9- Am7+ Am7 Gm7 Gb7/11+
não vi o teu rosto
F A7
Chamei de mau gosto o que vi
Dm7
de mau gosto, mau gosto
G7 G#º
É que Narciso acha feio
Am7
o que não é espelho
D7/9
E a mente apavora o que ainda
não é mesmo velho
Nada do que não era antes
Dm7/9 G7/13 G7/13-
quando não somos mutantes
Gm7 C7/9
E foste um difícil começo
afasto o que não conheço
F7+ F#º
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
C/G A7 Dm7 G7 E7
Aprende depressa a chamar-te de realidade
A7 D7/9 Abm6
Porque és o avesso do avesso,
G7 C6/9 G7/13 G7/13-
do avesso do avesso
C7+ Bm7/11
Do povo oprimido nas filas,
E7/9- Am7+ Am7 Gm7 Gb7/11+
nas vilas, favelas
F A7
Da força da grana que ergue
Dm7
e destói coisas belas
G7 G#º
Da feia fumaça que sobe
Am7
apagando as estrelas
D7/9
Eu vejo subir teus poetas
de campos e espaços
Tuas oficinas de florestas,
Dm7/9 G7/13 G7/13-
teus deuses da chuva
Gm7 C7/9
Pan-américas de Áfricas utópicas, túmulo
F7+ F#º
do samba mais possivel, novo quilombo de Zumbi
C/G A7 Dm7 G7 E7 A7
E os Novos Baianos passeiam na tua garoa
D7/9 Abm6 G7 C6/9
E os novos baianos te podem curtir numa boa
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